Ética e Técnica na recolha de materiais empíricos para investigações

Recolher dados em uma pesquisa sobre educação exige a escolha de uma metodologia adequada. Diferentemente das ciências exatas ou da natureza, as informações coletadas em investigações relacionadas à educação não costumam seguir critérios quantitativos. Testar hipóteses por meio de experimentos controlados em laboratórios ou por meio de tentativas e erros podem esbarrar em critérios éticos. Não seria razoável expor estudantes a experimentos que pudessem inviabilizar a aprendizagem apenas para levantar dados.

Aires (2015) apresenta técnicas de recolha de dados a partir de duas possibilidades. Tratam-se das técnicas diretas (interactivas) ou indiretas (não-interactivas). Das técnicas interactivas, o autor cita a observação participante, a entrevista qualitativa e as histórias de vida. Das não-interativas, lista análises de documentos oficiais ou informais que incluem desde estatutos até diários pessoais.

Devido às especificidades das investigações em educação, muitos autores recomendam um levantamento qualitativo dos materiais para pesquisa. Isso significa que, na prática da investigação, deve-se buscar compreender os fenômenos e não explicá-los sob uma perspectiva de se encontrar fórmulas replicáveis. Ouvir os atores que participam das situações de aprendizagem e, portanto, são parte do objeto de pesquisa, torna-se uma tarefa necessária e desafiadora sob o ponto de vista ético. Como separar as informações relevantes para os resultados esperados?

Falando em Metodologia da Investigação

Segue minha reflexão crítica individual:

A Unidade Curricular de Metodologia da Investigação (Mestrado Educação e Tecnologias Digitais 2019/2020 – ULisboa) proporcionou uma série de reflexões acerca do saber que buscamos neste mestrado. As expectativas que nos levam a desejar essa formação incluem o desejo de investigarmos com maior profundidade o tema das tecnologias digitais na educação. Por isso mesmo, neste texto pretendemos expor uma síntese dos conteúdos e a crítica de suas aplicabilidades no contexto em que estamos inseridos.

Comecemos, pela provocação: existe verdade? Nossos sentidos e nossas emoções dão conta de responder a esta pergunta filosófica? É verdade que você este texto foi escrito. Afinal, os olhos do leitor estão capturando cada palavra e dando sentido a elas. Mas daqui a uns minutos essa leitura será mera lembrança. Por isso, é possível que amanhã ou depois perguntemos se lemos essa reflexão aqui ou em outro lugar. Nossa memória não é confiável e nossos sentidos se ocupam do presente. Realizar um registro escrito é a tecnologia que estabelece marcos memoráveis do pensamento que desenvolvemos.

É na busca incessante da verdade (objetivo do conhecimento) que se assiste progressivamente à procura de interpretações ou respostas às interrogações sobre o universo através da proposta de bens como hipóteses ou realidade[…] (BARROS, p.37)

A escrita foi uma ferramenta revolucionária para a humanidade. Se as memórias se confundem, a escrita permite o registro de saberes que poderão ser revisitados com certa precisão numa leitura posterior. Isso permitiu que muitos conhecimentos fossem registrados, permitindo certa evolução do pensamento. Na busca pelo conhecimento científico, ler e escrever continuam sendo competências básicas da educação primária até a pós-graduação.

Os avanços científicos vão se tornando possíveis na medida em que cada nova geração de estudiosos toma conhecimento das pesquisas já feitas e podem “avançar” em direção à inovação. Da invenção da roda até o desenvolvimento tecnológico de um carro esportivo elétrico, foram muitas gerações de estudiosos e de estudos possíveis graças aos seus predecessores. Por isso, cabe aqui a observação acerca dos termos epistemologia, paradigma, metodologia, método e técnica.

O primeiro termo, epistemologia, se refere ao que reconhecemos como conhecimento científico que, na maioria das vezes, diz respeito a objetividade na análise dos fatos e fenômenos investigados. Paradigma é o conjunto de princípios que devem ser seguidos em uma determinada comunidade científica. A etimologia da palavra metodologia sugere a ideia de “caminho para o conhecimento”, por isso é o termo que relaciona às teorias e os métodos. Estes compreendem as estratégias para obtenção de dados. Finalmente, o termo técnica se refere a cada uma das estratégias que compõe um método (Coutinho, 2013, p.23).

A observação da realidade e a percepção de fenômenos a serem investigados são parte primordial no trabalho do investigador. Transformar, então, fenômenos em objetos de estudo é a consequência natural na busca pela “verdade científica”. O “caminho para o conhecimento científico” começa com um planeamento ou um projeto de pesquisa. Esta etapa inicial é como um mapa a ser seguido durante o percurso investigativo. O desenho deste guia parte da formulação de um problema, depois indica as questões que levam às hipóteses (respostas provisórias) e, finalmente, estabelece os objetivos de investigação atrelados aos métodos de coleta e análise de dados. Somente com este mapa em mãos é que o investigador poderá ir a campo em busca das informações e referenciais teóricos para o seu trabalho.

Na área da educação, as investigações têm especificidades. A recolha de informações precisa considerar a complexidade do fenômeno da aprendizagem e as variáveis da conjuntura sociocultural de cada objeto de estudo. Essa exigência intrínseca ao processo investigativo nesta área torna o projeto de pesquisa uma ferramenta muito importante. Será por meio do projeto de pesquisa que o investigador poderá antecipar algumas variáveis a serem consideradas e o valor científico das hipóteses levantadas. Uma formulação equivocada pode comprometer os resultados e, portanto, o valor científico da investigação.

Ao mapearmos a pesquisa em educação, de acordo com Almeida & Freire (2003), vemos que “o problema formula-se na forma de questão (investigação voltada para a compreensão ou explicação de um fenómeno) ou como uma resposta (decisão sobre as propriedades de um tratamento ou metodologia, situação que se deseja alterar)”. A observação de fenômenos e a formulação de problemas relacionados a compreensão e explicação desses ou o desejo de propor alterações na realidade educacional exigem conhecimento teórico e metodológico que permita conclusões de caráter científico e não posicionamentos pessoais por parte do investigador. Por isso, recomenda-se objetos de estudos que sejam concretos, reais e delimitados, evitando-se ideias vagas ou subjetividades.

Seguindo o mapa (ou Projeto de Pesquisa), as respostas ao problema que foi apresentado são ainda hipóteses, ou seja, respostas ou explicações provisórias às questões que emergiram. É nesse momento que o repertório do investigador deve ser evocado e aperfeiçoado. Compreender o que já foi produzido sobre o problema investigado é fundamental para o debate acadêmico. Metaforizando: um engenheiro só pode fazer uma reforma, terminar uma obra ou sugerir mudanças depois de compreender a planta do ambiente. Da mesma forma, investigadores só podem propor respostas ao problema, após reconhecer as bases teóricas para analisá-lo. Assim, o referencial teórico aparece através da revisão bibliográfica que acaba por sugerir caminhos investigativos já percorridos, ou seja, métodos e metodologias de investigação que podem ou devem ser usados.

Neste momento de nossas reflexões, percebemos que, para a investigação em educação, o paradigma quantitativo positivista, onde as hipóteses são testadas a partir de experiências controladas e da análise de grandes volumes de resultados pode não ser a única opção para se chegar a resultados cientificamente razoáveis. O uso de modelos de investigação de caráter qualitativo pode ser uma solução para a análise da complexidade dos problemas relativos à educação. Ao invés de propor a aplicação da teoria na prática, o investigador em educação pode buscar primeiro compreender a prática a partir de seus atores e depois propor uma crítica à teoria ou uma teoria crítica.

O levantamento a partir de um viés qualitativo, no entanto, não pode desconsiderar os limites e o rigor exigidos de uma investigação científica. O fato de não buscar informações em quantidade, mas em profundidade deve estar acompanhado de um compromisso ético. Princípios como autorização expressa dos participantes e a proteção dos dados obtidos aparecem na Carta Ética para a Investigação em Educação e Formação do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Isso significa que não se pode, na busca pelo conhecimento, pegar atalhos que desvirtuem o que foi apresentado no projeto inicial.

Todo Projeto de Pesquisa deve ser submetido a avaliação dos pares qualificados na área de estudos em que propusemos nossa investigação para que seja reconhecido como um contributo para a construção do conhecimento científico. É o desejo de pesquisarmos com profundidade as tecnologias digitais na educação que nos impulsiona a submeter esta síntese a avaliação. Este mesmo anseio é que há de proporcionar reflexões éticas e estéticas acerca do fazer acadêmico ao qual nos propomos neste e nos próximos trabalhos que submeteremos a avaliação.

Referências

Almeida, Leandro S. & Freire, Teresa (2003) problema, hipóteses e variáveis. In: Metodologia da Investigação em Psicologia e Educação. Braga: Psiquilíbrios.

Barros, A. J. S.; Lehfeld, N. A. S. (2019) Fundamentos de Metodologia Científica. 3. ed. São Paulo: Pearson.

Coutinho, Clara (2013) Metodologia de Investigação em Ciências Sociais e Humanas. Coimbra: Edições Almedina.

Universidade de Lisboa (2016) Carta Ética para a Investigação em Educação e Formação do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa.

Desafios na análise de fenômenos em educação

A objetividade exigida pela ciência, muitas vezes, é obtida através da análise quantitativa de dados relacionados a um determinado fenômeno. A observação da realidade, em ciência, é seguida pela formulação de leis e teorias. Isso acontece nas ciências naturais e na aplicação da indução ou dedução típicos das ciências exatas. Para ilustrar as relações entre fatos, leis, teorias e sistemas, recorramos ao esquema a seguir:

Fonte: (SEVERINO, 2007, p. 101)

Esta imagem impõe uma reflexão acerca da observação de fenômenos na área da educação. Seria possível formularmos leis a partir da observação do trabalho docente ou do desempenho discente? Provavelmente não. A complexidade das ações humanas e as variáveis de cunho cultural e emocional nos obrigam a estabelecer uma outra “lógica”de investigação.

A palavra lógica sugere objetividade. Mas aqui, ao falarmos de investigação em educação, ela deve assumir o sentido de coerência. Não se trata de reconhecer uma relação óbvia entre as partes que compõe um determinado problema, mas de compreender um fenômeno a partir das visões dos atores diretamente envolvidos. Dessa forma, as variáveis culturais, emocionais e a complexidade de ser humano no mundo aparecerão de forma objetiva, ou seja, coerentes com o objeto e não com o investigador. Trata-se de uma lógica qualitativa.

A análise de fenômenos em educação implica na adoção de uma perspectiva naturalista. Autores como Guimarães (2012, p.195) chegam a sugerir uma distinção entre os termos acadêmico e científico, onde as ciências humanas relacionam-se com o primeiro e as ciências exatas com o segundo.

Lincoln & Guba (1985) fazem distinção entre “Abordagem empírico-racionalista” e “Abordagem naturalista”. A primeira visa a explicação dos fenômenos e a segunda a compreensão, ou seja, a interpretação coerente desses fenômenos.

Essas dicotomias expostas dão conta de elucidar o fato de que a investigação dos fenômenos em educação exige um esforço do investigador em analisar nuances de cada objeto. Afinal, a natureza humana não se mostra muito linear ou simétrica. Os contornos singulares de cada corpo humano sugerem caminhos subjetivos tão únicos quanto as formas físicas.

Portanto, investigar fenômenos em educação é um desafio ontológico, porque nos obriga a refletir sobre a natureza da educação enquanto fenômeno social e político. É também um desafio epistemológico, pois é sempre uma metainvestigação, uma vez que é por meio da “educação formal” que propomos os estudos. E finalmente, um desafio metodológico sobre o qual nos debruçamos neste breve texto.

Referências

Guimarães, Thelma de Carvalho (2012). Comunicação e linguagem. São Paulo: Pearson.

Lincoln, Y. & Guba, E. (1985) Naturalistic inquirity. New York: Sage.

Severino, A. J. (2007) Metodologia do trabalho científico. 23. ed. rev. e atualizada. São Paulo: Cortez.

A importância da formulação de um problema

O ponto de partida para uma investigação científica é a escolha de um tema ou de uma grande área de interesse. Afinal, essa será a decisão primeira que pode desencadear uma busca constante por respostas e/ou soluções ao longo de uma vida.

O conhecimento científico tem como característica capital o uso da razão. No entanto, a escolha da temática de investigação pode (ou talvez deva) ter contornos passionais. Digo isso, porque o trabalho do investigador consiste em debruçar-se sobre a observação de fatos e fenômenos relacionados a sua área de atuação. Seria tortura dedicar-se a um tema que não desperta a motivação necessária para trabalhar ao longo de grandes períodos.

Dito isso, saíamos do ponto de partida e demos o primeiro passo. Trata-se da formulação de um problema. A importância de sugerir um problema a partir da descrição ou explicação da realidade como ela é mostra-se como a decisão mais importante no caminho a ser trilhado na investigação científica.

A sabedoria oriental já nos alertava que, não importa qual será a distância a ser percorrida, o mais importante é o primeiro passo na direção correta. Na produção acadêmica, o alerta vem de Almeida & Freire (2003) quando afirmam que “toda a produção científica inicia-se, então, pela identificação e clarificação de um problema”.

Das estratégias para formulação de um problema trazidas pelos autores acima citados, destaco duas que simplificarei a seguir. A primeira é problematizar as relações entre a teoria e a prática, ou seja, a partir da teoria existente propor uma investigação sobre sua aplicabilidade em situações reais. A segunda é começar pela observação direta dos fenômenos, ou seja, problematizar situações reais buscando referencial teórico para endossá-las ou refutá-las.

A partir da simplificação proposta aqui, evidenciam-se dois caminhos: da teoria para a prática e da prática para a teoria. Se a teoria, na prática, não funciona, devemos mudar o estado da arte de tal teoria. Se a prática revela-se ineficiente e distante da teoria, é o momento de testar as hipóteses e pressupostos teóricos na prática.

Referências

Almeida, Leandro S. & Freire, Teresa (2003) problema, hipóteses e variáveis. In: Metodologia da Investigação em Psicologia e Educação. Braga: Psiquilíbrios.

Apontamentos preliminares sobre a investigação acadêmica em educação

Caros leitores,

Metodologia da Pesquisa é uma das disciplinas que pude ter uma experiência como docente na graduação. Em uma primeira reflexão acerca de minha relação com a investigação científica, penso ser importante expor o que acredito ser o princípio básico para uma investigação científica relevante: a clareza. Ter nitidez em relação aos objetivos a serem perseguidos e ao caminho a ser percorrido para alcançá-los são pré-requisitos indispensáveis para a pesquisa acadêmica em educação.

Após a definição de um tema relevante, é preciso identificar um problema a ser resolvido. Fazer as perguntas certas é tão importante quanto encontrar respostas consistentes. Poderíamos começar com questionamentos simples como:

– Por que este tema é importante?
– Por que ainda é necessário pesquisar sobre este tema?
– Por que outros autores decidiram tratar este tema?

Esse é o ponto de partida para minhas reflexões acerca do trabalho investigativo. As respostas a esses questionamentos ajudam a estabelecermos o objetivo geral de uma pesquisa. Este objetivo deve estar relacionado a busca genuína da compreensão dos fenômenos e ao levantamento de hipóteses acerca das soluções possíveis para problemas detectáveis em situações de aprendizagens. Acredito que, uma vez tendo este elemento norteador, o trabalho consiste em testar as hipóteses por meio de ferramentas investigativas e de revisões bibliográficas.

Meus Links:

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