A questão do método científico

Nota: Este texto resume aqui que eu, enquanto professora do ensino secundário leciono aos meus alunos da disciplina de Filosofia, no tema de epistemologia e aos alunos de Psicologia no tema relativo às metodologias de investigação da Psicologia. 

A origem etimológica da palavra ‘método’ é uma palavra grega cujo significado é ‘caminho, percurso’ e quando falamos em método científico,  referimo-nos ao conjunto de etapas e procedimentos que os cientistas devem levar a cabo no seu processo de investigação. O facto de o conhecimento científico implicar a utilização de um método é frequentemente referido como a principal razão para que esta forma de conhecimento tenha adquirido um estatuto tão importante na atualidade, apesar da sua relativamente curta história. O método  científico foi uma construção importante para o desenvolvimento da ciência e para a sua afirmação como forma de conhecimento rigorosa, precisa, objetiva e com um elevado grau de fiabilidade, mas foi uma construção relativamente recente, quando comparamos com outras formas de conhecimento, tais como o conhecimento vulgar, ou senso comum e o conhecimento filosófico. Apenas na época moderna, esse método se foi definindo, com os contributos de filósofos e cientistas.  É ancorado neste método que os cientistas desenvolvem a sua atividade com a consciência do crescente reconhecimento social, cultural e político daquilo que fazem e do produto da sua atividade, pelo menos nas sociedades industrializadas e ocidentalizadas. 

Alguns autores, tais como Paul Feyerabend, questionam a ideia de um método científico único, utilizado e reconhecido por todos os cientistas de todas as áreas, referindo que ao longo da história da ciência, muitos cientistas tiveram abordagens diferentes à metodologia a utilizar e realizam as suas pesquisas de formas diferentes. 

  Podemos, ainda assim, tipificar essencialmente os seguintes métodos (refiro aqueles que constituem parte do programa da disciplina de Filosofia):

O MÉTODO INDUTIVO:

Este método assenta essencialmente num processo de raciocínio indutivo, tendo a sua primeira etapa na recolha sistemática de um conjunto de dados da observação empírica. Esta observação, ainda que possa estar orientada por um conjunto de conceções teóricas, não está à partida metodologicamente orientada quanto à natureza do conhecimento que se procura. Só após a recolha de dados se pode, indutivamente, procurar regularidades e ligações dentro dessa diversidade de fenómenos observados. A partir daqui, o esforço racional de generalização irá conduz à formulação de uma lei ou teoria, que poderá servir de visão compreensiva ou explicativa da diversidade dos fenómenos encontrada. 

Um bom exemplo da utilização deste método é o de Charles Darwin que viajou pelo mundo, recolhendo amostras de espécies diferentes, sem uma noção prévia antecipação das conclusões a que iria ou desejaria chegar sobre elas. Só posteriormente, ao analisar toda a diversidade de fenómenos encontrados, nas suas semelhanças e diferenças, encontrou uma lei geral pela qual explicou a diversidade de espécies que encontrou, a teoria da evolução das espécies por meio da seleção natural.

O MÉTODO EXPERIMENTAL SIMPLES: 

Este é um método mais estruturado que se compõe essencialmente de 4 etapas, cujo nome deriva do papel que a experimentação desempenha nele, como elemento que garante a capacidade de o cientista poder confrontar as suas explicações racionais com os factos, intencionalmente manipulados pelo cientista com um objetivo claro de investigação. 

As etapas são:

1ª – a formulação do problema, sendo este uma pergunta, geralmente relativamente à causa de um dado fenómeno; 

2ª – a formulação de uma hipótese, enquanto tentativa de explicação do fenómeno, que se traduz no estabelecimento de uma relação de causalidade entre uma causa ou um conjunto de  causas e o fenómeno que se quer explicar. Esta hipótese é assim uma resposta teórica, contudo ainda meramente suposta e com carácter provisório, que não passou ainda o crivo do confronto com a realidade ocorrerá durante o teste experimental.

3ª – a sujeição da hipótese ao teste experimental, que visa, pela manipulação da realidade (dos fenómenos) confrontar a explicação hipotética do cientista com os factos, no sentido de obter deles a confirmação ou a refutação da mesma.

4ª – a análise dos resultados da experimentação, que poderá confirmar ou refutar a hipótese do cientista. Caso se verifique a primeira, o cientista formulará a lei geral que regula o fenómeno, e caso se verifique a segunda o cientista deve regressar à formulação de uma nova hipótese, repetindo assim o processo.

O MÉTODO HIPOTÉTICO-DEDUTIVO

Este método corresponde a uma versão mais complexa do método experimental simples na medida em que integra basicamente todas as etapas do anterior, mas salienta o papel dos processo dedutivo e da hipótese no processo de investigação. 

 Tal como se observa, no esquema, a investigação científica começa sempre com a formulação de um problema, que consiste numa pergunta para a qual o investigador não tem resposta. O processo de investigação científica é, precisamente o processo de procura de resposta a essa pergunta. Mas para que a pergunta seja formulada pelo cientista, ele precisa de tomar contacto prévio com factos, situações e teorias prévias. É no momento em que um dado facto ocorra cuja explicação não esteja prevista no corpo de conhecimentos que o cientista possui que este se constitui como um facto problemático.

A importância da formulação da hipótese, como guia orientador da investigação, é salientada pois será ela a determinar todo o processo a desenvolver. Uma vez que uma hipótese não se observa diretamente, para que o cientista possa confrontar a hipóstese com os factos no momento da experimentação é necessário clarificar que tipo de fenómenos é esperado observar caso a hipótese esteja correta. É assim por isso importante que o cientista proceda à dedução de consequências previsíveis da hipótese, formulando assim enunciados observacionais que descrevem de forma objetiva e concreta aquilo que deverá ocorrer, se a hipótese formulada for correta. Esta é, por isso, uma fase de previsões ou predições em que o cientista funciona dedutivamente a partir da hipótese formulada

É com estas predições em mente que o cientista irá definir os procedimentos de observação e de experimentação, a partir do qual confronta a hipótese, ou melhor, as deduções que efetuou dela, com a realidade para perceber se as suas predições, expressas nos seus enunciados observacionais, se verificam ou não.

Mais uma vez, os resultados dessa experimentação poderão validar a hipóteses e esta poderá ser considerada uma lei geral, constante, pela qual aquele fenómeno pode ser explicado. Ou, em caso de não validação, quando as predições não se verificam, será necessário ao cientista reavaliar os seus conhecimentos de modo a formular nova hipótese explicativa. 

No contexto da aplicação do método experimental à investigação em Psicologia, e dado que no caso desta disciplina se procura observar o comportamento humanos,.é importante considerar que o processo de experimentação costuma envolver a criação de dois grupos de sujeitos observados, a saber um grupo experimental e um grupo de controlo. O cientista irá testar o papel que uma dada condição ou variável irá ter nos comportamentos dos indivíduos que serão objeto de observação. Assim, há duas variáveis em jogo: uma variável independente, que o cientista irá manipular de modo diferente em ambos os grupos, para avaliar qual o seu papel no comportamento dos indivíduos. Este comportamento, designado de resposta, é chamado de variável dependente, dado que a sua expressão irá variar em função da presença, ou ausência da variável independente. O ou os grupo(s) de controlo, serão aqueles onde a presença da variável dependente servirá para fazer a comparação com o (ou os)  grupo(s) experimental(ais). É no grupo experimental que a variável independente irá influenciar o comportamento dos indivíduos.  

A propósito do método experimental há muitas questões epistemológicas a discutir, nomeadamente: 

  • Poderá a experimentação fornecer uma confirmação segura de que a teoria é verdadeira? 

Segundo Karl Popper, a perspetiva verificacionista segundo a qual o cientista  deve procurar provas de que a sua teoria é verdadeira é logicamente questionável, dado que implica o recurso à indução, uma forma de raciocínio com um fraco grau de valor lógico. Nesse sentido, Popper propõe uma perspetiva falsificacionista, dizendo que o cientista se deve dedicar à procura das provas que falsifiquem a sua conjetura e que, por mais corroborações que a teoria receba dos testes experimentais, o cientista deve considerá-la sempre como uma teoria provisória e procurar realizar os testes experimentais mais críticos e exigentes com vista a falsificá-la. É neste sentido que, para este filósofo, uma metodologia crítica mais facilmente deteta os erros e as falhas na conjeturas científicas e pode corrigi-las e melhorá-las. 

  • Pode uma teoria científica ser considerada objetivamente verdadeira, mesmo quando recebe o apoio de toda a comunidade científica? 

Segundo Thomas Kuhn, uma teoria integra-se dentro de um paradigma científico que envolve, da comunidade científica, um conjunto de decisões não totalmente objetivas sobre quais o factos científicos relevantes, quais os procedimentos técnicos, metodológicos e conceptuais a utilizar no processo de investigação científica. Assim, quando diante de dois paradigmas distintos, em especial em momentos de crise e de desacordo numa determinada área científica, os cientistas são chamados a tomar partido por um paradigma e os critérios pelos quais um dos paradigmas se sobrepõe ao outro e passa a dominar a comunidade científica não são totalmente objetivos e podem, inclusivamente envolver aspetos de natureza política, social e económica. 

A propósito deste tema, considero muito interessante esta palestra da professora Naomi Oreskes sobre o método científico.

O que é a ciência?

NOTA: esta publicação reúne conhecimentos meus enquanto professora de Filosofia no ensino secundário, sobre a natureza do conhecimento científico e a leitura de bibliografia da disciplina de Metodologia de Investigação I

Aquilo que para nós é hoje a ciência é o resultado de um longo processo de construção e de evolução epistemológico, resultante da procura humana de uma forma de conhecimento da realidade que lhe ofereça garantias de fiabilidade, de certeza, quanto à verdade dos conhecimentos que produz. Poderíamos dizer que a ciência, ou o espírito científico, nasceu com os primeiros filósofos na Grécia Antiga, que rejeitando o pensamento mitico-religioso que dominava a compreensão dos fenómenos naturais e regulava as relações humanas, procuraram eliminar o sentido sobrenatural contido nessas explicações. Foi assim que os primeiros filósofos da natureza, procuraram construir as suas explicações cosmológicas sobre a origem, a partir da procura de uma arqué, ou substância primordial, que era uma substância natural e já não uma entidade divina, a partir da qual tudo se formou. Procuraram essas explicações integrando as bases daquilo que hoje reconhecemos ser o aspeto central de uma ciência: 

  • Uma explicação teórica de caráter racional e lógico, que visa a possibilidade de explicar e prever os fenómenos; 
  • Um conhecimento assente na observação da realidade, a partir da qual se elaboram construções teórica. 

Foi assim, por exemplo, que Tales, observando fósseis de animais marinhos em zonas de montanha secas, concluiu a importância da água nos processos biológicos e recorrendo ao argumento de que este elemento da matéria pode assumir os 3 estados (sólido, líquido e gasoso) a postulou como origem de tudo. Esta forma de pensamento “científico” embrionário, fez com que, desde sempre a história da ciência e a da filosofia se tivessem encontrado ligadas. René Descartes, o filósofo que é, muitas vezes, considerado o pai da época moderna, coloca a ciência, ou as ciências como ramos do saber que assentam na metafísica (filosofia), assumindo a filosofia como a mãe das ciências.

Não obstante isso, o conceito de ciência (ou conhecimento científico) foi-se definindo ao longo dos tempos num processo de autonomização e afastamento em relação à filosofia, e também à fé e foi tentando afirmar-se cada vez mais como uma forma de conhecimento positiva. Este aspeto foi particularmente notório na época de Galileu e Copernico, durante o qual a ciência procura lutar contra a forma de pensamento assente essencialmente no argumento de autoridade em que se fundamentam os fenómenos religiosos, bem como distanciar-se da natureza reflexiva, especulativa e literária assumida pela filosofia. A preocupação de Galileu com a construção do telescópio com o qual irá fazer as observações que lhe permitirão sustentar a tese heliocêntrica, afrontando a Igreja e o modelo geocêntrico são um momento marcante da luta da ciência na afirmação da importância da sua natureza empírica e positiva. 

Assim, vemos hoje que a ciência se apresenta hoje como uma atividade ou processo de investigação sistemático e metódico, que visa produzir um conhecimento teórico-explicativo, de caráter objetivo e rigoroso da realidade, que possa cupmprir o objetivo de descrever a realidade, e as suas diferentes manifestações, tal como ela é, de  explicar como e por que é que os fenómenos ocorrem como ocorrem, de modo a fornecer a possibilidade de prever e controlar a sua ocorrência. 

A ciência destaca-se assim de outras formas de conhecimento pela sua natureza metódica e é no método que, de acordo com muitos investigadores se centra a sua diferença epistemológica. Este método deve garantir que a ciência responda a duas exigências centrais: 

  • a exigência de racionalidade e de coerência interna, uma vez que as teorias se constituem como conjuntos de conceitos e de relações entre conceitos, de leis e de relações entre leis que devem poder ser verdadeiras e racionalmente sustentáveis.   
  • a exigência de concordância com a realidade empiricamente observada, com a qual as teorias explicativas devem ser confrontadas  por meio de uma observação atenta e intencional dos factos. 

Características da ciência: 

  • Objetiva: descreve (ou procura descrever) a realidade tal como ela é e não a partir de uma perspetiva pessoal.
  • Empírica: assente nos dados recolhidos da observação dos fenómenos.
  • Racional:  procura de explicações coerentes, assentes na razão e na lógica, 
  • Replicável: garante que todos os sujeitos irão obter os mesmos resultado quando colocados nas mesmas condições de observação. 
  • Sistemática: preocupa-se com a ordenação e organização dos conhecimentos num sistema global, integrado e coerente. 
  • Metódica: resulta da aplicação consciente e rigorosa de um conjunto de procedimentos e técnicas de investigação, reconhecidos pela comunidade científica como adequados.   
  • Comunicável: preocupa-se com a clareza e precisão conceptual na forma como se expressa, recorrendo a uma linguagem técnica. 
  • Analítica: desmonta a complexidade e globalidade do real, segmentando-a e estudando-a na sua especificidade. 
  • Cumulativa: partindo de conhecimentos científicos estabelecidos anteriormente, evolui e progride continuamente. 
  • Revisível: possui mecanismos internos de revisão e correção dos conhecimentos estabelecidos, sempre que novos dados exigem a sua reformulação ou eliminação. 

Referências: 

Almeida, S. A., Freire, T.(2003). Metodologia de Investigação em Psicologia e Educação, (pp.17-33).Braga:Psiquilíbrios. 

Lukas, J. F, & Santiago, K.(sem data) Evaluación Educativa, (pp.15-23) Madrid:Alianza Editorial.