Nota introdutória:

Este texto consiste em um reblog da publicação feita por Andre Mazzetto (2016)

Peço licença ao estimado prof. Fernando e aos meus colegas de mestrado para compartilhar este post, um tanto curioso, criativo e pertinente ao tema da UC Metodologia de Investigação I. Este reblog não deixa de ser uma homenagem aos amantes de gatos de nossa classe, nomeadamente @monteiroclaudia e @fcosta2020.

“Ozzy, saia daí agora!”

Esta é a frase mais ouvida e dita aqui em casa.

Nós temos dois gatos, o Ozzy Osbourne e a Norah Jones. Tínhamos também a Amy Winehouse, mas ela morreu muito jovem… é sério! Os tipos de coincidências que até assustam a gente!

Mas o que os gatos aqui de casa têm a ver com o método científico?

Alguns dias atrás uns amigos nos visitaram e fizeram a famosa (e perigosa) pergunta:

“De quem eles gostam mais, de você ou da Josi?

Eu não sabia responder.

A Norah é uma gata independente, que não liga muito para a interação com humanos, então não há preferidos para ela. Em compensação o Ozzy é o gato mais carente que eu já vi na vida! Ele tem a necessidade de estar perto de nós o tempo todo, então pode ser que ele tenha sim uma preferência por um de nós.

Assim, como um bom pesquisador, eu comecei a elaborar maneiras de testar e quantificar o quanto o Ozzy gosta de cada um de nós e de quem ele gosta mais.

Moral da história até aqui: NUNCA faça uma pergunta para um pesquisador que ele não saiba responder.

Meus amigos acabaram desencadeando um processo que quase me deixou louco (em consequência, quase deixou a Josi também…).

Então vamos lá, como um cientista faz pra descobrir uma resposta científica para uma pergunta intrigante?

Como eu vou determinar de quem o Ozzy gosta mais?

As pessoas podem aceitar algo como verdade baseado em intuição, ou credo. Vamos considerar minha própria crença: o Ozzy me ama mais do que qualquer pessoa! Eu SEI que ele me ama, eu sinto isso.

Será que essa crença é uma boa base para o conhecimento?

Bem… não é! Simplesmente acreditar em algo não faz ela ser verdade. Coisas que acreditamos firmemente podem na verdade ser falsas. E se alguém tem uma crença exatamente contrária? A Josi acredita que o Ozzy gosta mais dela do que de mim! Não há como saber quem está certo só comparando as nossas crenças.

Nós podemos contar o número de pessoas que creem na mesma coisa e constituir uma maioria, ou um consenso. Mas esta ainda não é uma boa base para o conhecimento. Só porque mais pessoas dizem que uma coisa é verdade, não quer dizer que realmente seja. Por séculos a maioria das pessoas pensava que a Terra era plana, hoje sabemos que ela não é!

Outra possível fonte é a opinião de uma autoridade, como políticos, esportistas, cientistas.

Também não é uma boa base para o conhecimento, porque a opinião deles é somente isso, uma opinião. Eles podem até ter mais acesso às informações, mas também possuem o seu lado pessoal, querendo que suas visões sejam aceitas. A carreira e a reputação destas pessoas dependem, muitas vezes, da opinião delas!

Vamos supor que a Josi contrate um especialista em gatos e ele diga que o Ozzy ama mais ela do que eu. É claro que eu serei cético a esta opinião, especialmente porque quem pagou o especialista foi ela, não eu! Eu poderia encontrar outro especialista que diria exatamente o contrário. Assim, voltamos ao início, onde temos apenas duas opiniões diferentes.

O que nós precisamos são evidências!

Quando eu chego do trabalho eu percebo que o Ozzy vem sentar no meu colo, não no colo da Josi. Eu estou baseando minha conclusão (que o Ozzy me ama mais) com uma observação do que está acontecendo, ou seja, no colo de quem ele senta quando chegamos em casa.

Esta observação casual é uma estratégia melhor do que as anteriores, mas ainda não é suficiente.

Isso porque pessoas não são muito boas observadoras. Nós tendemos a observar coisas e tirar conclusões que concordam com nossas crenças! Por exemplo, eu posso ter esquecido que o Ozzy senta no colo da Josi durante o café da manhã.

A lógica então parece ser uma boa fonte, mas a nossa lógica informal não é.

Se nós queremos desenvolver conhecimento real, devemos ter certeza que nossas explicações sobre o mundo são válidas… então precisamos de algo mais. Não podemos depender de fontes subjetivas ou não verificáveis, como falamos antes. Nós precisamos de observações sistemáticas, livre de desvios, combinada com lógica aplicada.

Em outras palavras, nós precisamos do método científico.

Vamos então aplicar o método científico na nossa pesquisa. Eis os 6 princípios:

1) A hipótese (que o Ozzy me ama mais) tem que ser testada empiricamente.

Isso significa que eu preciso coletar informações que vão suportar ou contradizer a hipótese. Para testar a hipótese do Ozzy, temos que coletar dados. Mas como eu vou observar isso? Eu posso perguntar ao Ozzy sobre os sentimentos dele (apesar de ele ser bem inteligente, a comunicação entre animais e humanos ainda não alcançou este nível!).Vamos concordar que gatos não expressam amor da mesma forma que humanos. Então não há nada para se observar. Esta hipótese não é empiricamente testável.

2) Um estudo deve ser replicável.

Ou seja, o resultado deve ser o mesmo, independente do número de vezes que o experimento é repetido. Se o resultado esperado ocorre apenas uma vez, ou em poucas vezes, pode ser que tenha sido só coincidência.

Vamos dizer que eu convenci a Josi que a demonstração de amor do Ozzy é ficar no colo da pessoa amada. Nesta semana o Ozzy sentou no meu colo duas vezes mais que no colo dela.

Conclusão: ele me ama mais, fim de papo, a gente já sabia disso mas fiz a pesquisa só pra provar, certo? Seria o fim se eu pudesse mostrar que o resultado é o mesmo em várias semanas.

Mas, e se depois da primeira semana o Ozzy fugir de casa, cansado de ser cobaia de dois loucos tentando testar seus sentimentos? Eu não posso mais repetir o experimento, nem chegar à conclusão. Se eu fizer o mesmo estudo com a Norah não estaremos repetindo o mesmo experimento, porque o teste era com o Ozzy.

3) O terceiro princípio é objetividade.

Isso quer dizer que qualquer pessoa deve poder repetir o experimento, sem necessidade do pesquisador que elaborou o teste (no caso eu) estar presente. Não importa quem está fazendo o estudo, o resultado deve ser o mesmo. Para isso, todos os conceitos e procedimentos do experimento devem estar bem claros, deixando nenhum espaço para subjetividade.

Vamos dizer que agora eu considero que quando o Ozzy fica se esfregando na minha perna é outro sinal de amor, além de sentar no colo, mas não digo isso para Josi. Mesmo se nós dois observarmos sistematicamente o comportamento dele, chegaremos a resultados diferentes, porque eu estou contando duas reações (sentar no colo e se passar na perna), enquanto ela está contando só uma (sentar no colo). O resultado depende de quem está observando porque agora cada um está seguindo um protocolo.

4) O quarto princípio é transparência.

Ser transparente é semelhante a ser objetivo. Todos devem ser capazes de repetir o experimento sozinhos, sejam pessoas que concordam ou discordam do resultado final.

5) O quinto princípio diz que uma hipótese deve ser refutável.

Isso é simples. É só imaginar cenários em que a hipótese pode se contradizer. Se não podemos achar um cenário onde a hipótese não se contradiz, ela não pode ser refutável.

Pergunte para qualquer pessoa com uma crença extremamente forte em uma religião: Quais evidências te convenceriam que a sua crença é falsa? Ou pergunte pra alguém que torce pro Corinthians: Quais evidências te convenceriam que o Palmeiras é melhor? Não importa quantos argumentos você listar, com certeza o Corinthiano dirá que o time dele é melhor e terminará dizendo: Vai Curintia!!!!!.

Ou seja, coisas que se baseiam apenas em crenças, como religião e futebol não podem ser avaliadas pelo método científico.

6) O sexto princípio diz que uma hipótese deve ser logicamente consistente, ou seja, coerente.

As conclusões também devem ser coerentes. Eu espero que o Ozzy venha se sentar mais no meu colo, já que eu acho que ele me ama mais. Mas se ele passar mais tempo no colo da Josi? Bem, eu posso dizer que ele sabe que quando está sentado no meu colo, a posição é desconfortável para mim. Ele demonstra amor ao não sentar no meu colo e me deixar mais confortável. Isso é ser inconsistente!

Eu mudei a interpretação do resultado depois que obtive os dados só para poder comprovar a minha hipótese. Isso também fere o quinto princípio porque torna a minha hipótese irrefutável. Eu sempre vou concluir que o Ozzy me ama mais, esteja ele no meu colo ou não.

Resumindo:

Se você chegou até aqui já deve saber que não adianta adotar o método científico para descobrir quem o Ozzy ama mais. É uma questão de crença, assim como o Corinthiano ali em cima.

Não importa o que você fale, eu tenho certeza que ele gosta mais de mim…

Este foi o método hipotético-dedutivo, ou seja, você formula uma hipótese, com base nos conhecimentos ou observações, faz experimentos e chega a respostas, ou, na maioria das vezes, novas hipóteses e novas perguntas.

Adaptado de “Quantitative Methods” — Annemarie Zand Sholten4

Referência

Mazzetto, Andre (2016, novembro 3). Sobre o método científico e gatos carinhosos. [Post em blog]. Disponível em https://medium.com/ciencia-descomplicada/sobre-o-m%C3%A9todo-cient%C3%ADfico-e-gatos-carinhosos-5958d775e1ae

4 comentários em “Método Científico e Gatos Carinhosos

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